sexta-feira, 11 de agosto de 2017

E o jantar lá em casa era frango em ponto de caramelo.

Estas crónicas nasceram do desafio: “devias escrever isso”. E assim se foram colecionando histórias, conversas e episódios mais ou menos castiços vividos pelos miúdos. A necessidade de regista-los surge associada ao caricato da situação, do espontâneo, do inesperado. Maior parte dos episódios resultam numa gargalhada ou num sorriso fácil. Outras há que pelo seu peso, receito serem prejudicadas pelo enleio da falta de capacidade de síntese de quem conta a história, mas que não podem deixar de aqui constar.


A tarde fora de longa brincadeira entre os dois, e chegara a hora, pesasse a fadiga, de arrumar. A tarefa não era agradável, e no fim de um dia longo, a escusa resultou em discussão. Faço, não fazes, arruma tu, eu já fiz, e o crescendo conduziu ao conflito e o conflito cresceu alimentado pelo cansaço. O orgulho tomou conta da situação e dos corações e a coisa estava feia. Recusavam-se a fazer as pazes. A mãe, também cansada, desatinou com os dois e o ambiente geral estava pouco cortês. Havia que quebrar o ciclo, tarefa ambiciosa que assumi com pouco sucesso, pelo que ao jantar havia frango estufado em ponto de caramelo.

Entre algum ar zangado e umas piadas, lá tentámos os quatro desatar os nós da querela, deixando o episódio e apontando às causas e sentimentos que haviam estado na origem e estariam, almejávamos, na solução para mais uma zanga e uma birra numa semana já longa.

Ao longo da conversa à refeição, a mais velha agarrara-se de unhas e dentes à sua posição rezingona, de ofendida e perdera o pé. Já era birra pela birra. O mais novo entregara os pontos, sem remorsos, já só queria fazer as pazes mas a irmã não deixava.

Porque não queres fazer as pazes?

“Porque estou chateada”, sai-lhe da cara funda, com o olhar preso nos joelhos.

Sim, com quem?

A resposta, “ c o m i g o ”, escorreu-lhe do rosto a par com uma lágrima grossa.

Com isto levanta-se, vai lavar a cara e a alma, sigo-a com um carinho e algumas palavras de ânimo e a coisa compõe-se.
A história poderia acabar aqui. Mas o tema dos maus feitios continuava a ser debatido à mesa já em tom mais ligeiro.

O mais novo que havia estado mais ou menos contido ao longo da conversa considerou que devia dar o seu contributo. E rematando a conversa, lança a sua deixa:

“Eu não tenho mau feitio, eu sou o rei do bom feitio, porque não me quero chatear com as outras pessoas.
Eu quero ser a pessoa mais feliz da minha vida!”


Se tiverem alguma coisa a acrescentar a esta declaração, sintam-se convidados a fazem-no. Eu calei-me então, como agora, por ter no silêncio a minha melhor resposta.